Tribunal de Contas estadual: preenchimento de vagas e separação de Poderes - 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade de eventual preenchimento, por membro do Ministério Público de Contas estadual, de cargo vago de conselheiro da Corte de Contas local, a ser escolhido pelo Governador, cujo ocupante anterior teria sido nomeado mediante indicação da Assembleia Legislativa. O Ministro Marco Aurélio (relator), acompanhado pelos Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski (Presidente eleito), proveu o recurso, e assentou a competência da Assembleia Legislativa para a indicação do nome do futuro ocupante da vaga aberta ante a aposentadoria de conselheiro anteriormente escolhido pelo aludido órgão legislativo. Apontou as premissas fáticas do caso: a) a Corte de Contas seria composta por sete Conselheiros, quatro indicados pela Assembleia Legislativa e três pelo Governador, um deles nomeado pelo Executivo antes da CF/1988; b) a inexistência de conselheiros oriundos do Ministério Público Especial no Tribunal de Contas até o momento; c) o primeiro concurso público para ingresso no Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas ocorrera em 2008, e a primeira posse, em 2011; d) a aposentadoria, em 2012, de um dos Conselheiros indicados pela Assembleia, e o surgimento da vaga em questão. O relator examinou o alcance dos artigos 73, § 2º, I e II (“Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96. ... § 2º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos: I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento; II - dois terços pelo Congresso Nacional”); e 75 (“As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”), ambos da CF.
RE 717424/AL, rel. Min. Marco Aurélio, 14.8.2014. (RE-717424)
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O Ministro Marco Aurélio, no ponto, afirmou que os Tribunais de Contas possuiriam a atribuição, constitucionalmente estabelecida, de auxiliar o Legislativo no controle da execução do orçamento público e de emitir parecer final sobre as contas da Administração. Asseverou que o constituinte, no sentido de concretizar o sistema de freios e contrapesos e viabilizar a natureza eminentemente técnica desempenhada por esses órgãos, disciplinara modelo heterogêneo de composição, e o fizera em dois níveis: partilhara a formação, consoante a autoridade responsável pela indicação, entre o Legislativo e o Executivo (CF, art. 73, § 2º, I e II); e, tendo em vista o âmbito de escolha deste, determinara fosse uma vaga reservada a auditor, e outra, a membro do Ministério Público Especial (CF, art. 73, § 2º, I). Frisou que, para o TCU, composto por nove Ministros, o aludido § 2º dispõe que 1/3 seja indicado pelo Presidente da República, observadas as vagas específicas acima descritas, e 2/3 pelo Congresso Nacional. No tocante aos tribunais estaduais, integrados por sete Conselheiros, essas regras devem ser aplicadas no que couberem (CF, art. 75), e o STF, no Enunciado 653 de sua Súmula, definira que a escolha de quatro membros competiria à Assembleia Legislativa, e a de três, ao Governador. Nesse último caso, um deles seria de livre escolha, um auditor e um membro do Ministério Público Especial. Sintetizou que o constituinte preconizara a formação dos Tribunais de Contas em dois passos: a partilha interpoderes, fundada no princípio da separação de Poderes; e a intrapoder, no âmbito das indicações do Executivo, motivada pela necessidade de conferir tecnicidade e independência ao órgão.
RE 717424/AL, rel. Min. Marco Aurélio, 14.8.2014. (RE-717424)
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O relator consignou que o Supremo, ao enfrentar o tema, proclamara prevalecer a regra constitucional de divisão proporcional das indicações entre o Legislativo e o Executivo sobre a obrigatória indicação de clientelas específicas pelos Governadores. Apontou que o STF definira tratar-se de regras sucessivas: primeiro, observar-se-ia a proporção de escolhas entre os Poderes para, então, cumprirem-se os critérios impostos ao Executivo. Não haveria exceção, nem mesmo em face de ausência de membro do Ministério Público Especial. Assim, o atendimento da norma quanto à distribuição de cadeiras em favor de auditores e do Ministério Público somente poderia ocorrer quando surgida vaga pertencente ao Executivo, e não seria legítimo o sacrifício ao momento e ao espaço de escolha do Legislativo. Explicitou não haver autêntico conflito entre normas constitucionais contidas no art. 73, § 2º, da CF, mas dualidade de critérios a reclamar aplicação sucessiva: dever-se-ia cumprir, primeiro, o critério a levar em conta o órgão competente para a escolha e, depois, o ligado à clientela imposta ao Executivo. Sublinhou que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, a liberdade para formular ordem de escolha de conselheiros, a fim de, mais efetivamente, estruturar as Cortes de Contas segundo as balizas constitucionais, não permitiria afastar, mesmo transitoriamente, a regra de proporção dessas vagas entre o Executivo e o Legislativo. De acordo com a Constituição, mais importaria a autoridade que indica do que a clientela à qual pertencente o indicado. Assim, a escolha desta última, em qualquer circunstância, incluída a de ausência de membro do Ministério Público Especial do Tribunal de Contas, apenas poderia ocorrer se estivesse disponível cadeira pertencente à cota do Governador.
RE 717424/AL, rel. Min. Marco Aurélio, 14.8.2014. (RE-717424)
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O Ministro Marco Aurélio ressaltou ser inequívoca a circunstância de a vaga em exame decorrer de aposentadoria de conselheiro escolhido pelo Legislativo local, a significar a impossibilidade de destiná-la a membro do Ministério Público Especial do Tribunal de Contas, mediante indicação do Chefe do Executivo. Assinalou que o fato de a Corte de Contas estadual possuir membro nomeado sob a égide da Constituição pretérita não seria capaz de alterar essa premissa. Assentou que, mesmo que as Cortes de Contas não estivessem inteiramente organizadas segundo a disciplina constitucional vigente, a liberdade dos Estados-membros quanto à ocupação de vagas por clientelas específicas seria limitada pela preponderância temporal da partilha das cadeiras entre Assembleia e Governador. Afirmou que a ausência de membro do Ministério Público Especial no Tribunal de Contas não autorizaria a superação dessa regra, solução esta que deveria ser reservada a situações nas quais presente conflito de princípios. Anotou haver, na espécie, regras rígidas que reclamariam o cumprimento sucessivo no plano temporal e institucional, cuja sequência teria sido claramente definida pelo STF. O Ministro Dias Toffoli acrescentou que o Ministério Público não seria um dos três Poderes, mas sim função essencial à Justiça. No caso, o Ministério Público de Contas exerceria o mister de fiscalização do órgão encarregado de análise das prestações de contas. A Ministra Cármen Lúcia pontuou que o art. 73, § 2º, da CF deveria ser aplicado como norma de simetria e, portanto, de repetição obrigatória por parte dos Estados-membros. O Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente eleito) sublinhou que o constituinte de 1988 quisera dar ao Poder Legislativo preeminência maior no que tange ao controle externo das contas dos demais Poderes, razão pela qual o número de indicados estaria estabelecido nessa proporção.
RE 717424/AL, rel. Min. Marco Aurélio, 14.8.2014. (RE-717424)
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Em divergência, os Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello desproveram o recurso. O Ministro Teori Zavascki salientou a existência, no plano normativo, de disposição constitucional segundo a qual quatro membros do Tribunal de Contas Estadual deveriam ser indicados pela Assembleia Legislativa e três pelo Governador. Observou, por outro lado, que haveria outra disposição normativa constitucional, de mesma hierarquia, a estabelecer que um dos membros do Tribunal de Contas deveria ser representante do Ministério Público, dentre os três indicados pelo Governador. Assinalou que, embora esses dois comandos constitucionais fossem harmônicos, na situação dos autos um deles deveria ser restringido, de acordo com alguns princípios: o da necessidade; o da menor restrição possível ou da proibição do excesso; e o da manutenção do núcleo essencial dos princípios colidentes no plano concreto. Lembrou que, se fosse chancelada a possibilidade de a Assembleia Legislativa nomear novo conselheiro, isso significaria perpetuar a situação de não haver representante ministerial no Tribunal de Contas. Considerou que a solução recorrida, por sua vez, seria mais adequada, porque privilegiaria a participação do Ministério Público no órgão e determinaria que a próxima vaga, que seria de indicação do Governador, fosse atendida pela Assembleia. Assim, não obstante mantida, momentaneamente, uma disfunção constitucional, desde logo seria sanado um vício importante, que seria a ausência de membro do Ministério Público. A Ministra Rosa Weber sublinhou que o caso revelaria situação transitória, tendo em vista que uma das cadeiras do Tribunal de Contas ainda seria ocupada por membro designado em momento anterior à Constituição atual, e que, considerados os valores em conflito, deveria prevalecer a exigência de membro do Ministério Público na composição do órgão.
RE 717424/AL, rel. Min. Marco Aurélio, 14.8.2014. (RE-717424)
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O Ministro Luiz Fux frisou a supremacia do interesse da sociedade em ter, na composição do Tribunal e Contas, membro do Ministério Público, em face de indicação de Conselheiro ora pela Assembleia Legislativa, ora pelo Executivo. Apontou que a integração de membro ministerial levaria em conta a necessidade de haver Conselheiros de fora da classe política, que auxiliariam o Legislativo na aferição do gasto do dinheiro público. Reputou que, na solução de problemas de transição de um para outro modelo constitucional, deveria prevalecer, sempre que possível, a interpretação que viabilizasse a implementação mais rápida do novo ordenamento. Assinalou que, no caso, desde o advento da CF/1988 ainda não haveria membro do Ministério Público nos quadros do Tribunal de Contas local. O Ministro Celso de Mello registrou que a situação concreta de permanente transgressão constitucional, que a solução recorrida buscaria superar, não poderia subsistir, tendo em conta a ausência, na composição do Tribunal de Contas, de representante ministerial. Em seguida, o julgamento foi suspenso para se aguardar o voto desempate do Ministro Gilmar Mendes.
RE 717424/AL, rel. Min. Marco Aurélio, 14.8.2014. (RE-717424)
Decisão publicada no Informativo 754 do STF - 2014
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